Seu Aparício Manoel Inácio, um dos 14 filhos de Manoel Rafael Inácio, Seu Deca, herdou do pai os saberes e fazeres da pesca artesanal. O Rancho do Seu Deca, um dos mais antigos do Campeche, foi passado para o Seu Aparício, juntamente com os apetrechos de pesca e as canoas centenárias de garapuvu de um pau só, batizadas de Célia e Renilda (nomes dado por Seu Deca em homenagem às suas filhas).
Seu Aparício formou novos remeiros para auxiliá-lo, e seu filho Pedro Aparício Inácio, o Pedrinho, teve um papel importante, com auxílio dos pescadores mais antigos, assumiu a função de patrão da parelha sem ter sido primeiramente remeiro. Um desafio que deu certo e até hoje conduz bravamente a canoa no cerco das tainhas.
Pedrinho aprendeu cedo com os mais antigos: “Você conhece o pé de aroeira, que dá uma baguinha vermelha? Quando dá muita aroeira é bom para a tainha. E quando os espinheiros apontam bem alto, vai ser um ano de bastante tainha. O espinheiro é um tipo de gravatá. A lua boa para pescar depende muito, mas lua cheia é boa à noite pois dá para ver o cardume”.
No ano de 2008, houve um incêndio no rancho, o que ocasionou a perda de uma parte da canoa. Levou um ano para a reforma do rancho ficar pronto. O rancho serve para guardar os equipamentos, pois se deixar as embarcações ao relento, em um mês pode haver avarias. Além disso, o rancho protege os pescadores da chuva, do vento e é onde se faz o alimento dos que passam o dia na espera do cerco da tainha.
No dia 16 de janeiro de 2016, Seu Aparício, na época com 77 anos, teve a infelicidade de receber a notícia de que seu rancho, desta vez, foi transformado em cinzas. O fogo começou por volta das 23 h e destruiu todo o rancho de cerca de 120 metros quadrados. Entre os objetos perdidos estavam as canoas centenárias de garapuvu Célia e Renilda, duas redes de pesca de tainha, um paiol de rede, um guincho para puxar embarcação, três reboques e vários coletes salva vidas. Segundo Seu Aparício, o incêndio foi criminoso e um boletim de ocorrências foi registrado na Polícia Civil.
Segundo um morador da comunidade: “Quando queima um rancho, quando queima uma canoa é muito forte. A canoa não é empurrada com a tua mão, ela é empurrada com a mão da história. Quantas mãos já empurraram aquela canoa, quanto suor já pingou ali. Ali tem muita força, tem muita história com aquele garapuvu. Tu imagina esses garapuvu crescendo há 100 anos atrás, como foi colhido, de onde ele veio e como é que foi? Quem talhou aquela canoa?” Foram três anos lutando para a reconstrução do rancho, aquisição de uma nova canoa e de novas redes….
Na madrugada do dia 30 de abril de 2021, um dia antes da abertura da safra da pesca artesanal da tainha, houve um novo ataque ao rancho e tudo, absolutamente tudo, queimou novamente. “O futuro é incerto, a gente não sabe o que vai acontecer. Mas esse futuro não existirá se a gente não continuar, senão a pesca entre em prazo de validade. Meu sonho é que a gente não perca nunca a nossa tradição, esse gosto de pescar. Que permaneça por várias gerações a nossa tradição e nosso rancho, fazendo essa função que é pescar”, dz Pedro Aparício Inácio (Pedrinho).
Neste ano, um pequeno rancho foi montado provisoriamente na praia para abrigar os pescadores. A canoa de fibra batizada de Aparício do Deca pescou cerca de um pouco mais de mil tainhas. Segue a tradição e a luta para reconstruir o rancho pela terceira vez!
Alguns depoimentos presentes no texto foram retirados da Cartografia Social do Território Tradicional da Pesca Artesanal da Tainha no Distrito do Campeche.
PREPARO PREFERIDO DA TAINHA
Pirão de feijão com tainha frita.
