O pescador João, que por muitos anos foi um “camarada”, assumindo a responsabilidade da proa e do suporte à navegação para o patrão, há quinze anos tornou-se ele mesmo o responsável pelo Rancho dos Rapazis, ou Parelha do Ernandes. Após a morte de Elcio Fernandes da Silva, irmão de Ernandes, olheiro e companheiro de pesca, João assumiu como encarregado da parelha e mantém até hoje o compromisso de cuidar das canoas e de todo o material de pesca do falecido amigo. Nativo dos Ingleses, João renova a cada ano a responsabilidade de cuidar do rancho, comandar a canoa no mar e ainda fazer a manutenção das embarcações.
A pesca da tainha em Florianópolis revela matrizes fundamentais da cultura ilhéu, e fragmentos dos relatos de pescadores demonstram como a transformação dos territórios e culturas se dá por complexos fatores. Segundo Seu João, alguns pontos foram fundamentais para que a pesca e a cultura ilhéu tenham enfraquecido ao longo das últimas décadas. Primeiro, o grande crescimento na atividade turística em Florianópolis nos últimos trinta anos, trazendo também a ocupação do território norte da cidade por imigrantes do Rio Grande do Sul. Segundo, as novas oportunidades de trabalho no centro da cidade e fora dela. Por último, a redução em escala global do número de filhos por família.
João, contando sobre seu início na pesca aos seis anos de idade, traz a memória de um tempo onde a família, a terra e o mar se bastavam. As famílias eram grandes para dar conta da roça e do pescado, os recursos financeiros eram escassos, mas a comida sempre teve abundância. A educação se dava de forma comunitária, com respeito à sabedoria dos mais velhos. Com orgulho fala: “ Sou nativo da Praia dos Ingleses, nascido e criado na pracinha do hotel Azul”.
Puxando na memória, João conta em torno de dez parelhas, e vinte e oito canoas só na orla da praia dos Ingleses. E em um clima descontraído, fala da origem do nome “Rancho dos Rapazis”: Vêm da fala desse aqui, apontando para o companheiro de pesca Valmir: “A canoa é do Ernandes, mas o rancho de dos rapazis”. E conta também que é onde a juventude da praia dos Ingleses se sente acolhida para somar na equipe de pesca durante os meses de maio a julho na safra da tainha.