Era o ano de 2005. Três homens, embarcados na canoa Show Da Vida, remavam em direção ao cardume de tainhas na praia do Gravatá, quando Seu Leandro, o então patrão da parelha, olhou ao redor e questionou: “Cadê o chumbereiro?!”.
Fazia muito frio naquele dia, conta Miguel, hoje já aposentado: “Eu só tirei a japona e saí nadando cachorrinho pra não fazer muito barulho, alcancei a canoa e me jogaram para dentro. Eu falei: Seu Leandro, nunca botei chumbo no mar grosso, nunca botei, hoje é o primeiro dia. Entra aí Miguel, vambora, vambora!”
“Lá fora, o Joca, que ficou no rancho e via melhor o peixe, gritava: Fora, fora, fora! Que a canoa tinha que sair! Lá no Gravatá, se demorar muito o peixe passa, mas se sair adiantado o peixe volta. Lá a tainha é cercada pelo rabo. Daí Miguel começou, ficou olhando pra baixo, sem olhar para o mar e começou a jogar o chumbo e não vi mais nada. Nervoso com o primeiro dia. Quando chegou em terra disse assim: Já chegamos? Aí Seu Leandro disse assim: O senhor nunca botou chumbo no mar?”.
Diante da recusa de Seu Miguel, o patrão teria decidido: “Nós precisamos de chumbereiro, pode ficar o senhor!”.
“Mas tinha o Seu Tião também!”, esclarece Seu Miguel.
História contada por Seu Miguel Sodré, pescador aposentado, pai de Márcio Sodré, autor da obra Tainhas ao Vento.
Gravatá possui um dos ranchos originais mais antigos da ilha, com documentação datada de 1955. Na época, o rancho foi comprado por Maurilio, conhecido como Seu Murilo, de um indígena chamado Tomaz — conta Dedé, 47 anos, filho de Maurilio. Dedé reativou o rancho do pai aos 14 anos de idade, após um hiato de oito anos sem atividades durante a década de 80.
A pesca na praia do Gravatá tem muitas peculiaridades. A praia tem acesso mais remoto e fica virada para o norte, onde a tainha busca se proteger do forte vento sul “para correr manso”, como diz Dedé, que hoje mantém-se como um dos patrões da parelha. É um dos poucos lugares no litoral sul em que se pega o peixe “pelo rabo”, ou seja, enquanto, costumeiramente, os cercos são feitos de frente, na chegada do cardume, no Gravatá o cardume passa e os pescadores então vão atrás, até ultrapassá-lo e fazer o cerco com a rede de penca. A canoa Show da Vida ainda é de propulsão a remo, tripulada por quatro remeiros, um chumbereiro e o patrão.
Dedé relata que, desde que herdou a pesca como tradição da família de seu pai, anualmente, durante dois meses ao longo da temporada da tainha, em torno de 20 camaradas se reúnem para pescar na praia do Gravatá. A logística ainda hoje inclui cavalos, botes e muita disposição para encarar o morro que dá acesso à praia. O cavalo traz a alimentação para o grupo até a praia, os botes trazem lenha para o preparo do almoço no fogão à lenha e ainda há camarada da velha guarda que encara o caminho de 1,4km de trilha a pé em seus plenos 78 anos. A logística para levar os peixes para fora da praia também depende dos botes, mas se o mar estiver muito mexido, o transporte ainda é feito pelos cavalos encilhados com dois cestos de palha, no “cerão”, como chamam os mais velhos.
O maior lanço registrado pela canoa de cedro amarelo chamada “Show da Vida” foi de 15 mil tainhas, somando 20 toneladas, porém a captura não pegou nem metade do cardume, que passou pela praia de Gravatá com mais de duzentas mil tainhas em junho 2023. Grande parte do cardume arrebentou a rede, e o lanço só pôde suceder pois havia uma rede mais forte lançada por trás, por garantia, devido ao tamanho do cardume.
Diante de uma rica história, Dedé, entretanto, expressa preocupação pela continuidade da pesca artesanal. Sendo pouco procurada por jovens, o pescador, infelizmente, acredita que essa tradição tem tempo marcado para acabar.
PREPARO PREFERIDO DA TAINHA
Frita / na brasa com escama.
